Fim da Fluoretação

Se aprovado, PL proibirá a adição de flúor na água.

Tramita pela Comissão de Assuntos Sociais o Projeto de Lei nº 297/2005, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares que, se aprovado, revogará a Lei nº 6.050/1974, restringindo o uso do flúor na profilaxia da cárie dentária apenas à aplicação tópica, ou seja, proibirá a adição de flúor ou qualquer um de seus compostos a água, bebidas ou alimentos.

Tal iniciativa é no mínimo temerária, pois, atualmente, muitos estudos contrários à aplicação do flúor encontram resistência em dados que demonstram a eficácia do flúor como preventivo da cárie dentária, haja vista o programa do governo federal denominado Brasil Sorridente que tem como uma das frentes de atuação a garantia da fluoretação da água de abastecimento em 100% dos municípios brasileiros, que hoje existe em apenas 60% das cidades do país. Como justificativa para tal ação, utilizam-se dados do Ministério da Saúde que afirmam haver incidência de cáries 49% maior onde não há fluoretação da água.

Deve-se levar em conta que o fato de países como a Suíça e a Alemanha e do resto da Europa continental, possuidores de realidades sócio-sanitárias absurdamente distintas da brasileira, terem abolido a adição de flúor à água potável não é suficiente para sequer pensarmos em adotar conduta semelhante.

Isso porque, em um país com a dimensão continental do Brasil e composto das mais diversas realidades sócio-econômicas, muitas vezes a população terá acesso somente à água de abastecimento fluoretada como forma de prevenção à doença cárie.

Trata-se, portanto, de uma discussão que necessita de desenvolvimento de pesquisas congruentes e específicas para cada região e cada realidade de nosso país. Cabe ainda lembrar que a Inglaterra, Irlanda e parte da Espanha continuam fluoretando sua água potável.

Oliveira e Minicucci (2001) afirmam que o Brasil encerra o panorama do desenvolvimento da raça humana através dos séculos, isto é, a Amazônia tem características da Pré-História, o nordeste da Idade Média, o centro-oeste e sul lembram a Idade Moderna e o interior de São Paulo junto a algumas regiões do Paraná e Santa Catarina têm condições de primeiro mundo.

Outra questão muito debatida, inclusive alvo de estudo da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (Jornal da USP, 2004), diz respeito à quantidade variável do flúor adicionado à água potável. O excesso pode transformar o flúor, herói na prevenção da cárie, em vilão, causador de fluorose dentária e outros malefícios.

O Brasil de hoje apresenta realidades em que o flúor seja dispensável e outras onde ele ainda não existe e nas quais seria absolutamente necessário, sendo mais interessante uma melhor estrutura de tratamento de água que permita um controle absoluto da quantidade de flúor adicionado à água, possibilitando um ajuste fino da dosagem.

Divergências

Porém, também não se deve chegar aos extremos defendidos por alguns profissionais através de discursos do tipo: “É preferível que as crianças tenham fluorose dentária à cárie”, sendo que ambas são maléficas.

Neste sentido, deve-se questionar o que levou o autor ao ato legislativo, pois, se não possui um objetivo calcado em estudos regionalizados que dêem ao Poder Legislativo critérios capazes de orientar a aprovação ou não do Projeto de Lei em questão, há o risco de não se conhecer a eficácia da mesma. É fundamental, também, que o legislador possua dados específicos, entenda as necessidades da população brasileira no que tange não somente à saúde bucal, mas também a todas as questões que envolvem o saneamento básico e as possíveis contribuições do flúor além da prevenção da cárie dentária. Tudo isso com a finalidade de impedir a apresentação deste Projeto de Lei apenas como um meio para “demonstrar” trabalho e “ocupar” espaço na mídia.

Eficácia

E, retomando a temática proposta, Gusmão (2000) salienta que eficiência ou efetividade do direito não se confunde com a eficácia, isto é, norma efetiva é aquela realmente observada pelas autoridades e seus destinatários, enquanto norma eficaz é aquela que alcança os efeitos pretendidos pelo legislador.
No caso da fluoretação da água de abastecimento, a efetividade é certa, desde que as autoridades providenciem os mecanismos de tratamento da água e adicionem ou não o flúor. Contudo, no que tange a eficácia, pergunta-se: o que pretende o legislador proibindo a fluoretação da água? Melhorar a saúde populacional? Simplesmente seguir a conduta de outros países considerados mais desenvolvidos, mas que não apresentam um quadro sanitário sequer semelhante ao nosso?
Talvez seja prudente avaliar, pesquisar e entender os reais efeitos do flúor, benéficos e maléficos, para depois tomar medidas que suprimam ou não a sua utilização na água potável consumida pela população brasileira. Até mesmo porque muitos grupos populacionais no Brasil ainda não usufruem do flúor na água, ou sequer têm água potável, demonstrando que a simples elaboração de leis não resolvem problemas, lembrando que a Lei nº 6.050 é do ano de 1974.
No Brasil, especialmente no que tange à Saúde Pública, não se pode permitir a utilização simples de modelos estrangeiros como se fossem aplicados a uma só realidade, pois coexistem inúmeras realidades sociais e de saúde que devem ser consideradas antes de qualquer providência.
Assim, são necessárias mais pesqui­sas, troca de informações com cirurgiões-dentistas, tanto clínicos gerais quanto os que militam no campo da Saúde Coletiva, para somente então, após entender o que se quer com um dispositivo legal, criá-lo e colocá-lo à apreciação do Congresso Nacional.
Arssenio Sales Pereira – Professor Doutor – Odontologia Legal – FOB/USP
Ricardo H. Alves da Silva – Mestre em Saúde Coletiva – FOB/USP; Doutorando em Odontologia Social – FOB/USP
César Lopes Júnior – Advogado, aluno especial- pós-graduação FOB/USP